
Charles Darwin possui um status quase divino entre os cientistas por sua teoria da evolução. Mas sua tese de que os animais têm consciência, da mesma forma que os seres humanos, foi rejeitada por muito tempo. Até agora.
“Não há diferença fundamental entre o homem e os animais na sua capacidade de sentir prazer e dor, felicidade e sofrimento”, escreveu Darwin.
A íntegra da matéria pode ser acessada em:
https://www.bbc.com/portuguese/articles/c255dj9n0g2o
Na alvorada do século XIX, dois luminares da Verdade se levantaram sobre a Terra, lançando claridade nova sobre os horizontes da alma humana. De um lado, Charles Darwin, cujas pesquisas e observações culminaram na teoria da evolução das espécies, veio revelar a marcha paciente da vida orgânica através dos tempos, conduzida pelas leis da seleção e da adaptação. De outro, Allan Kardec, pela via da Revelação dos Espíritos, trouxe à Humanidade os fundamentos de uma ciência moral, proclamando a existência da Alma e seu destino imortal, mediante o progresso incessante pelo caminho das existências sucessivas.
Ambas as doutrinas parecem distintas em sua natureza, mas seria um equívoco pensar que se opõem. A primeira contempla o exterior, os corpos e suas transformações; a segunda alcança o íntimo, estudando as profundezas do ser espiritual. Enquanto Darwin nos mostrou a gradação das formas na escala zoológica, Kardec nos esclareceu quanto à ascensão da Alma nos domínios da consciência, do livre-arbítrio e do amor.
À luz desse equilíbrio entre as ciências da matéria e do Espírito, o artigo que comentamos nos convida a refletir sobre um tema que a razão humana começa agora a entrever com mais sobriedade: possuem os animais consciência de si?
A questão suscita debate entre estudiosos do comportamento e da vida animal. Os instrumentos da ciência de hoje, embora cada vez mais refinados, esbarram em uma muralha que não poderão transpor sem reconhecer a realidade do Espírito. Enquanto se limitarem ao funcionamento cerebral, ao instinto condicionado ou às respostas observáveis, faltar-lhes-á o elemento essencial: o princípio espiritual que anima os seres e os conduz, gradativamente, à plenitude da vida.
O Espiritismo, com sua lucidez, antecipa-se às descobertas futuras, afirmando que “os animais possuem uma espécie de inteligência instintiva, limitada, com a consciência de sua existência e de sua individualidade”, como escreveu Allan Kardec, no comentário à questão 585 de “O Livro dos Espíritos”. Eis a essência que deve nortear toda investigação séria sobre a alma dos animais: eles não são autômatos biológicos, nem tampouco Espíritos plenamente conscientes como os homens. São, assim, princípios inteligentes em marcha, almas em fase inicial, que já sentem, escolhem, sofrem e amam em proporção à sua condição.
Essa afirmação, tão simples e ao mesmo tempo tão grandiosa, desfaz as interpretações materialistas que veem nos animais apenas máquinas animadas por impulsos. A observação cotidiana, aliás, revela-nos com clareza as sutis diferenças de temperamento, os vínculos afetivos, que se estabelecem inclusive entre indivíduos de espécies diferentes, os gestos de ternura, a fidelidade comovente que tantas vezes parece superar a do próprio ser humano.
Léon Denis, em “Depois da Morte”, fala-nos com elevação sobre essas realidades:
“Nos animais domésticos as diferenças de caráter são apreciáveis, e até os de certas espécies parecem mais adiantados que outros. Alguns possuem qualidades que se aproximam sensivelmente das da Humanidade, sendo suscetíveis de afeição e devotamento. Como a matéria é incapaz de amar e sentir, forçoso é que se admita neles a existência de uma alma em estado embrionário.
Nada há aliás maior, mais justo, mais conforme à lei do progresso, do que essa ascensão das almas operando-se por escalas inumeráveis, em cujo percurso elas próprias se formam: pouco a pouco se libertam dos instintos grosseiros e despedaçam a sua couraça de egoísmo para penetrarem nos domínios da razão, do amor, liberdade. É soberanamente justo que a mesma aprendizagem chegue a todos, e que nenhum ser alcance o estado superior sem ter adquirido aptidões novas.”
Ao revelar o destino comum de todos os seres criados, essas palavras apontam para a beleza moral da obra divina, onde nada se perde e cada vida tem valor. No mundo invisível que o Espiritismo nos descortina, os animais não estão à margem do progresso universal, mas participam dele como alunos da grande escola da Criação.
Kardec, ao interrogar os Espíritos sobre a individualidade dos animais após a sua morte, na questão 598, obteve resposta afirmativa, sendo que “a sua vida inteligente permanece em estado latente”. Em outras palavras, eles existem como seres espirituais, mas ainda não possuem, fora do corpo, a lucidez reflexiva que caracteriza o Espírito humano. A questão 600 esclarece ainda que eles entram numa espécie de erraticidade, um intervalo entre uma encarnação e outra, mas sem a liberdade de ação e escolha própria, sendo guiados por Espíritos superiores, que os conduzem de acordo com sua natureza e necessidade evolutiva.
Essas revelações em nada diminuem o valor dos animais, apenas os situam com mais precisão na escala do progresso. Eles são nossos irmãos mais jovens, não detentores da consciência plena, mas portadores de sensibilidade, memória, emoção, e de uma centelha de inteligência que desabrochará com o tempo e a experiência.
Merece especial atenção um trecho da “Revista Espírita”, de fevereiro de 1867, no qual Kardec analisa o ato surpreendente de animais que escolhem voluntariamente a morte:
“A morte voluntária de um animal prova que ele tem consciência de sua existência e de sua individualidade. Ele compreende o que é a vida e a morte, pois escolhe livremente entre uma e outra. Ele não é, portanto, uma máquina, e não obedece exclusivamente a um instinto cego, como se supõe. O instinto impele à procura dos meios de conservação, e não de sua própria destruição.”
Os fatos mostram que há nos animais uma semente de liberdade em desenvolvimento. Quando observamos uma mãezinha da natureza que se sacrifica por seus filhotes, um cão que espera anos por seu dono falecido, ou um elefante que visita o túmulo de um parente, estamos diante de manifestações da alma, dos sentimentos ou de seus prenúncios.
O Espiritismo, ao nos apresentar o princípio espiritual como base da vida, ensina que todo ser é chamado à perfeição, segundo a justiça divina, que é amor em toda a parte. Essa visão, baseada na observação, na razão e nas vozes do além, nos mostra que o caminhar dos seres é único, embora com múltiplas etapas.
Essa concepção nos inspira a rever a nossa conduta para com os animais. Se são almas em formação, inspiram respeito, carinho e proteção. A sua convivência conosco não é acidental pois serve ao seu progresso e, igualmente, ao nosso. Quantos aprendizados de paciência, brandura e renúncia nascem da relação com esses companheiros? Quantas vezes não são eles, com sua pureza e fidelidade, os mensageiros do consolo que nos falta?
Ouçamos Emmanuel, no livro homônimo, pela psicografia de Francisco Cândido Xavier, que nos exorta:
“Recebei como obrigação sagrada o dever de amparar os animais na escala progressiva de suas posições variadas no planeta. Estendei até eles a vossa concepção de solidariedade e o vosso coração compreenderá, mais profundamente, os grandes segredos da evolução, entendendo os maravilhosos e doces mistérios da vida.”
Assim, que possamos contemplar os animais não como meros ornamentos da Terra, nem os divisar segundo a sua utilidade, mas como companheiros da nossa caminhada, portadores da mesma chama divina, ainda que em fase iniciante. Sejamos para eles tutores compassivos, e não senhores indiferentes. Amemo-los, respeitemo-los, e estaremos colaborando com a obra do Criador, que não se esquece de nenhum dos seus filhos.
O Irmão Jacob, nessa linha de pensamento, deixa-nos a seguinte reflexão, após avistar um impressionante grupo de pássaros no ambiente espiritual em que se demora:
“Os seres inferiores, onde quer que se encontrem, refletem, de algum modo, as qualidades dos seres superiores que os cercam e os irracionais da Esfera carnal poderiam exibir outras condições de aprimoramento, na posição de consciências iniciantes, se os homens adotassem atitude mental mais elevada, perante a vida.” (Do livro “Voltei”, psicografia de Francisco Cândido Xavier)
O que nos faz recordar, com legítima alegria, o marcante episódio da tradição cristã, onde o lobo que aterrorizava a cidade de Gúbio se acalmou diante da mansidão de Francisco de Assis, firmando o pacto de paz. Para além da narrativa, o que nos emociona é o seu significado maior: um animal selvagem, regido por instintos de defesa e sobrevivência, responde a emanações de confiança, respeito e amor puro, dando mostra de que os animais são sensíveis às vibrações humanas, captando intenções e sentimentos. Mais uma prova expressiva da fraternidade universal, em que todas as criaturas e todos os reinos são chamados à harmonia.
A título de conclusão, Léon Denis, em “O Problema do Ser e do Destino” (1905), considera (desenvolvendo o pensamento idêntico do espirita Pierre-Gaêtan Leymarie, 1827/1901, redator na Revista Espírita e ele próprio inspirado no filosofo alemão Friedrich Wilhelm Joseph von Schelling, 1775/1854) que “na escada evolutiva, pensamento, consciência e liberdade só surgem depois de muitos degraus: na planta, a inteligência (o Princípio Inteligente) dorme; no animal, ela sonha; só no homem ela desperta (…) e se torna consciente”. Porém, o artigo comentado mostra que no reino animal, nalgumas espécies, o Princípio Inteligente já tenta iniciar o longo caminho em que irá, progressivamente, desenvolver a consciência. Tal realidade, agora verificada pela ciência, como mostra o artigo, não é nova: na Idade Média, grandes filósofos e teólogos sufis (Ibn Arabi, 1165/1240, Maulana J. Maomé Rumi, 1207/1273) já vislumbravam essa caminhada evolutiva do Princípio Inteligente, e tal como eles, concluímos em total concordância que, no reino animal, o Princípio Inteligente “agita-se”, iniciando o lento despertar da consciência que se desenvolve e amadurece no reino hominal.
*Mabel Perito Velez e David Perito Velez são espíritas e colaboram com o Espiritismo.net